Publicamos a intervenção do governador de Pernambuco,
Eduardo Campos, que compareceu ao III Congresso do PPL
É uma emoção chegar aqui e encontrar muitos amigos que eu
herdei. Amigos da minha família, pessoas que viveram momentos muito importantes
da luta popular brasileira aqui no Brasil e no exílio. Pessoas que conviveram
com meus tios, com meu avô, com meus amigos. Pessoas que povoaram a minha
infância, a minha adolescência e minha formação política. O que nos une aqui é
exatamente o sonho, que embala nossas vidas, de construir um país mais justo,
mais equilibrado e um país soberano. Um país onde não tenhamos que conviver com
o constrangimento das desigualdades, dos desequilíbrios que ainda povoam a vida
brasileira.
A história sempre nos colocou do mesmo lado, no mesmo campo,
pelejando cada um da sua forma, com mais ou menos intensidade, com compreensão
às vezes diversa da atitude mais certa, mas o rumo estratégico da nossa
caminhada sempre foi o mesmo.
O PSB e os companheiros do PPL sempre foram pautados pelos
valores daqueles que lideraram nossa formação política: a preocupação central
com o popular e com o nacional, a necessidade de afirmar a soberania brasileira
como valor estratégico para construir a cidadania e a melhoria da vida do nosso
povo.
A importância de emancipar o nosso povo, de construir um povo
que tenha consciência da nação, de seus direitos, da sua força, da sua
capacidade de transformar, que parecem aos que não têm crença impossível de
transformar - nessa caminhada nós fomos ajudando e o PPL prestou esse serviço. O
PPL foi ajudando a formar quadros para a vida pública brasileira, a formar
pessoas que pensam, formulam, animam, questionam. E foram tantos, com quem pude
conviver desde o movimento secundarista, estudantil, nas fábricas, nos bairros,
na luta pela terra, na luta pelo chão nas cidades.
Nesse processo nós vivemos alguns pactos políticos, pactos
políticos que representaram pactos sociais exigidos pelo momento histórico
brasileiro. Um importante pacto político, que teve a presença de vocês e a
nossa, foi a reconstrução democrática deste país, que custou a vida de muitos
militantes e a coragem de tantos outros. Um exemplo de bravura de militantes
ainda hoje anônimos, que nos ajudaram a resistir, a poder ir cravando no caminho
as estacas necessárias para a reconstrução da institucionalidade brasileira no
processo de redemocratização brasileira, tão bem simbolizada pela nossa
Assembleia Nacional Constituinte, que teve a participação de todos nós, da luta
da sociedade, que se expressou num Congresso que ainda não tinha, como não tem
ainda hoje, a representação que gostaríamos que tivesse, as preocupações que
gostaríamos que tivesse.
Nesse processo de redemocratização, para que o Brasil
seguisse adiante na sua luta, para que o país reencontrasse um projeto de
desenvolvimento que cumprisse o papel do crescimento, mas também o papel da
sustentabilidade, da inclusão, da possibilidade de gerar um outro quadro social
no país, vimos a dívida, tão questionada pelo PPL e pelos seus militantes,
sufocar o crescimento do país por duas décadas de submissão absoluta a uma
política que nos era imposta de fora para dentro, por governos que capitulavam
efetivamente diante da banca, que faziam exatamente o receituário mais duro,
para garantir os interesses de uns e negar os interesses do povo.
Vimos que essa luta construiu os espaços para que o Brasil
pudesse por fim a um ciclo de duas décadas em que foi efetivamente jogando fora
oportunidades, talentos, pessoas, empresas nacionais que foram sendo derrotadas
- setores estratégicos da nossa economia onde o Brasil tinha posicionamento
importante e fomos perdendo exatamente pela falta de um pensar estratégico, de
um pensamento nacional.
Foi assim na área de medicamentos, foi assim no setor
metal-mecânico, foi assim no setor de semicondutores, foi assim no setor naval,
foi assim no petróleo, foi assim em várias áreas em que o Brasil foi perdendo
oportunidades e efetivamente levando um processo que ainda perdura, por exemplo,
na redução da nossa indústria na formação das riquezas nacionais.
Esse processo teve com certeza um momento diferenciado nos
últimos anos, quando, calcado na estabilidade que nós conquistamos da economia
brasileira - e não podemos de forma nenhuma negar que é um pressuposto
importante a um processo de desenvolvimento conseguir fundamentos
macroeconômicos mais sólidos e conseguir a estabilidade, pois a ausência da
estabilidade corrói sobretudo a renda da classe trabalhadora – vemos exatamente
o país se preocupar com o grande freio que havia a um crescimento mais pujante
da nossa economia.
Porque, mesmo pondo fim a um ciclo inflacionário perverso -
por formas que podemos divergir e criticar - nós vimos que isso não foi
suficiente para o Brasil retomar um crescimento assemelhado aos seus vizinhos,
ou assemelhado ao crescimento do mundo.
Percebemos que a questão social, a questão da desigualdade,
era efetivamente um grande freio ao crescimento brasileiro. Todos nós que
defendemos o desenvolvimento nacional, sempre chamamos a atenção, lendo os
grandes economistas ligados ao nosso campo político, que um país como este não
podia renunciar à possibilidade de ter um mercado interno pujante, capaz de
reduzir as desigualdades, como um Brasil que poderia incrementar o ciclo de
expansão econômica.
Vivemos no governo de presidente Lula um ciclo de inclusão
social importante, onde muitos brasileiros, sobretudo os das regiões mais
pobres, tiveram a oportunidade de carimbar sua carteira, de abrir um pequeno
negócio, de ter direitos a políticas até então negadas pelo Estado brasileiro -
que sempre esteve distante de um Brasil real, um Brasil oficial cada vez mais
encastelado - e vimos os efeitos desse iniciar de uma justiça social,
incipiente, que teve a capacidade de mudar o patamar do crescimento econômico
brasileiro.
Nós saímos dos minguados 2% para a casa dos 4% de crescimento
médio de 2002 a 2010, nos assemelhamos assim ao que acontecia na América Latina,
e com o que acontecia com o mundo.
Mas nós precisávamos, pelo que ficou das décadas perdidas,
acelerar até um pouco mais esse crescimento econômico. E fomos atingidos pela
maior crise do capitalismo, na sua expressão de capitalismo financeiro, pela
irresponsabilidade absoluta de uma banca desregulada que fraudou aplicações e
que derreteu trilhões e trilhões de dólares de muitas pessoas que, ingenuamente
- e outras não tão ingenuamente assim - depositaram no sistema financeiro suas
poupanças, com as quais os derivativos engordaram as burras de muitos e
quebraram tantos outros.
A partir dali, cinco anos se passaram. Anos que não têm sido
nada fáceis para várias nações mundo afora. Anos que têm sido desafiadores para
o Brasil. Em 2009, nós sentimos o efeito desse freio, esse freio que vem de
fora, esse freio que surpreendeu a uns, mas não a outros. Um freio que fez o
Brasil sacar um conjunto de ferramentas macroeconômicas, claramente keynesianas,
que permitiu em 2010 já termos um crescimento de 7,5%. E aí, talvez, esse
crescimento tão comemorado, sobretudo se tratando de um ano eleitoral, tenha
tirado do nosso campo a possibilidade de fazer um debate mais profundo, sobre o
significado de uma crise do capitalismo dessa proporção.
Tínhamos passado duas décadas onde os ventos neoliberais
impuseram quase que um pensamento único ao mundo - e nós não fizemos o debate da
crise do capitalismo, que vinha da irresponsabilidade da banca, na proporção que
deveríamos ter feito.
Para quê? Para tirar as lições e para firmar a necessidade de
refazer a leitura do caminho estratégico.
Em 2010, nos limitamos a fazer exatamente um processo
eleitoral da forma tradicional, discutimos pouco a crise lá fora. Empobrecemos o
debate ali, no processo eleitoral. E não é responsabilidade de A ou de B, mas
todos nós somos responsáveis pelo padrão do debate que se estabeleceu. Outros
provocaram a forma do debate que descambou muito mais para uma luta eleitoral do
que para uma luta política, descambou para assuntos mais religiosos do que para
um projeto de desenvolvimento de um país e de uma nação.
A partir dali, começamos a viver uma outra etapa, uma etapa
em que as ferramentas utilizadas para anabolizar um determinado crescimento não
funcionam como antes. E o Brasil vive três anos em sequência de baixo
crescimento econômico, onde se começa a colocar em risco as conquistas que
tivemos num passado recente, as conquistas que tivemos não só no plano
institucional, no plano democrático.
As instituições começam a ser colocadas mais e mais em
questionamento quando a sociedade, cada vez mais incomodada com os pactos
políticos, incomodada com as práticas políticas, cada vez mais incluída
digitalmente, vendo um Estado analógico com respostas precárias a políticas
públicas essenciais, fundamentais para muitos trabalhadores e trabalhadoras, que
já não suportam mais a condição de ficar 4, 5 horas por dia dentro de um
transporte público cada vez mais ineficiente, numa situação que põe em risco,
efetivamente, as conquistas econômicas que tivemos.
Sobretudo se olharmos o que ocorre com a indústria brasileira
neste instante, não conseguimos estancar um processo de desindustrialização que
nos preocupa sobremaneira - e nós temos que ter um olhar também às conquistas
sociais.
Essas conquistas ainda são muito incipientes. Esses milhões
de brasileiros que conseguiram um precário trabalho, com uma renda ainda muito
baixa, têm hoje, em média, um endividamento que pode representar a metade da
renda familiar, ou um pouco mais da metade. Se não retomarmos o ciclo de
crescimento econômico, veremos aqueles que ascenderam três ou quatro degraus,
descer essa escada de uma vez - em uma situação muito mais vulnerável que antes,
carregados, sobretudo, de frustração, de dívidas e de desesperança.
Isso é tudo que não precisamos ver na vida brasileira. Um
povo que não tenha esperança de lutar e de construir dias melhores, não vê os
obstáculos que são colocados pelos interesses dos que querem manter o
desequilíbrio social.
Essa preocupação é o que nos motiva a fazer esse debate nesse
momento. Um debate que não é absolutamente contra quem quer que seja. Um debate
que não pretende negar a nossa história, a nossa caminhada, e as conquistas que
construímos juntos. Mas um debate que tenha, sobretudo, a pretensão de olhar
para o futuro do Brasil. E olhar para o futuro do Brasil exige um debate muito
mais complexo do que o primarismo a que muitas vezes tentam submeter o debate
político no Brasil.
Nós recebemos do PPL um documento para o início desse
diálogo. Esse documento trata de teses, de pensamentos e de valores. Eu trago
hoje a resposta do PSB, dizendo que são acolhidos fraternalmente pelo nosso
partido. Como início de conversa, com muito interesse em fazer esse diálogo
nessa perspectiva da história, na perspectiva do que nos trouxe até aqui, da
valorização dos passos e das conquistas que tivemos, na necessidade de termos o
cuidado com os acúmulos que fizemos na vida pública até aqui e, sobretudo, que
tenhamos a ousadia para seguir levando a luta popular brasileira e o desejo de
construir mais.
Dentro deste país que mudou, há um outro Brasil, que quer ir
muito mais além. Há um outro Brasil que ainda vê muita injustiça, muito
desequilíbrio, muitas oportunidades perdidas, que só serão conquistadas se
tivermos a oportunidade de fazer um debate de longo prazo.
Não é a discussão da eleição de 2014, que é muito pouco para
a etapa histórica que estamos vivendo. Outros blocos, outros países, estão nesse
momento fazendo debates que são muito mais profundos do que juntar partidos,
tempo de televisão e bancada para votar.
Nós acabamos de assistir a China fazer um grande processo de
debate interno, o Partido Comunista chinês fez, com toda a sua experiência de um
país que cresce como cresce, e ganhou relevo, como ganhou, numa conjuntura
internacional - e que teve de refazer toda a sua compreensão de desenvolvimento
interno, de inclusão, de fluxo populacional, de setores econômicos para focar,
de matrizes energéticas, de conceitos de cidade e sustentabilidade, olhando para
os próximos 10 anos.
Se nós formos ver de perto o que os americanos estão fazendo
neste momento nos EUA, e fora dos EUA, em termos de matrizes energéticas – e
buscar de volta as fábricas que eles mesmos exportaram em busca de trabalho
barato; se olharmos para a Europa e ver o que há de mudança política, foram 12
governos substituídos, na União Europeia, nesse período. Há uma luta intensa
pela preservação de direitos conquistados por lutas históricas na Europa. Há um
debate irrequieto na academia, mundo afora, em busca de qual é a conceituação
institucional para a nova democracia, para respostas que o mundo vai ter que dar
a um ciclo de desenvolvimento onde muitas das possibilidades foram esgotadas,
sobretudo o padrão de acumulação do capital como ele vinha se dando, vis-à-vis a
qualidade de vida, a questão das riquezas naturais.
Esta é uma grande oportunidade para a esquerda, daqui e do
mundo, fazer um debate diante de uma crise como a que veio em 2008, diante de
uma inquietação social enorme - e nós não podemos mediocrizar o debate neste
instante, pelo contrário, nós precisamos embalar esse debate com toda a
fraternidade, mas com a grande inquietação de produzir um pacto novo, um pacto
social que carregue bandeiras, desejos e sonhos que para nós não são novos. O
que as pessoas colocaram nas ruas em junho, são bandeiras que nós carregamos ao
longo das nossas vidas todas e nossos partidos sempre abraçaram.
Mas é a hora de construir exatamente a visão de como
conquistá-las no tempo de hoje. E eu estou convencido, por tudo que tenho ouvido
de tantas pessoas experientes - de pessoas que estão nessa luta há muitos e
muitos anos, e que têm experiência histórica não só em lutas aqui no Brasil, mas
fora do Brasil - que nós não vamos produzir nada de novo que anime o nosso povo
com esse pacto político que está aí. Ele cumpriu um papel - e é preciso que
tenhamos coragem.
Sempre temos que ter a capacidade de fazer o novo a partir de
experiências e daquilo que fica da velha caminhada. Temos de ter respeito com a
caminhada que nós compartilhamos, mas temos que ter, sobretudo, respeito com o
futuro do Brasil. E esse respeito com o futuro do Brasil nos obriga a fazer esse
debate que propõe o PPL, o PSB, a Rede e outros partidos, e que é preocupação de
muitos companheiros que estão no PT, no PDT, no PCdoB, em outros partidos, que é
a busca, exatamente, de orientar o pensar estratégico para a próxima década.
O Brasil está diante de uma janela demográfica, nós temos 20
anos em que ainda seremos um país jovem. É como se o Brasil tivesse 25, 30 anos
de idade e tenha que definir o que vai fazer, como é que vai caminhar na vida
para se consolidar na boa idade, lá na frente. Nós temos que decidir se nós
vamos jogar fora o país nesse século ou se nós vamos ocupar essa janela e fazer
mudanças que precisam ser feitas, que não podem ser adiadas.
Então, acho muito importante que possamos seguir - e esse
Congresso será um instante em que a militância de todo o país, que aqui está
para discutir temas como ciência e tecnologia, como política econômica, como as
riquezas naturais, como a questão cultural, tudo isso é fundamental - para
construir uma base de entendimento programática que possa guiar a nossa luta.
Para que nós não possamos ser chamados para a luta eleitoral tradicional, pois
não é esse o nosso encanto. Não é esse o nosso papel.
O nosso papel é enxergar o outro caminho, o caminho que vai
tomar conta e preservar as nossas conquistas, mas que, sobretudo, vai abrir a
estrada para que a luta popular brasileira prossiga, construindo inclusão, um
país soberano, um país para os brasileiros, um país feliz, um país equilibrado.
O PSB tem uma esperança muito grande de poder, com a ajuda do
PPL, significar uma possibilidade para o povo brasileiro. É por isso que estamos
aqui, de maneira fraterna, para abraçar os amigos de sempre. Não estamos aqui
como amigos eventuais de um projeto eleitoral ou um projeto de poder. Esse
caminho não nos encanta. Nós estamos atrás de um projeto para o Brasil, um
projeto que possa estar à altura da história dos que estão aqui neste auditório,
que não estão a fim de estarem constrangidos por alianças que matam o sonho, por
alianças que freiam o desejo de ir mais longe, e que impossibilitam as mudanças.
É por isso que aqui estamos agradecendo Sérgio, Miguel, a
todos, ao Bira, a todos os companheiros que têm construído esse diálogo, ao
Pedro, a todos vocês, agradecendo por esse jeito que estamos fazendo esse
diálogo, um diálogo que está à altura da nossa história e que carrega muito
esperança de que, juntos, haveremos de fazer a boa política, vencer - e vencer
as nossas bandeiras de sempre, que são as bandeiras da construção de uma nação
soberana e feliz.
Muito obrigado.Fonte: http://www.horadopovo.com.br/
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