quinta-feira, 28 de novembro de 2013


Sobre as causas do insucesso econômico do governo Dilma 
Continuação da edição anterior
A crença, contra todas as evidências dos 80 anos anteriores, de que o motor do crescimento era o investimento privado - e não os gastos, investimentos e financiamentos públicos, que foram tremendamente cortados ou bloqueados a partir de janeiro de 2011, tanto no que se refere ao Orçamento, como, também, às estatais -, fez o governo Dilma operar um retrocesso ao governo Lula
CARLOS LOPES
Vejamos a segunda "crença" que fez o governo Dilma operar um retrocesso em relação ao governo Lula:
2) A crença, contra todas as evidências dos 80 anos anteriores, inclusive àquelas do segundo mandato de Lula, de que o motor do crescimento era o investimento privado - e não os gastos, investimentos e financiamentos públicos, que foram tremendamente cortados ou bloqueados a partir de janeiro de 2011, tanto no que se refere ao Orçamento, como, também, às estatais.
Mesmo se considerarmos o total do desembolso orçamentário (orçamento do ano + restos a pagar de outros anos), houve uma brutal queda nos investimentos e gastos públicos em 2011, em relação ao ano anterior, atingindo funções como saneamento (-32,3%), urbanismo (-16,3%), segurança pública (-20,7%), comércio e serviços (-13,7%), energia (-7,1%), organização agrária (-6,9%), defesa nacional (-1,0%), ciência e tecnologia (-1,0%).
Este quadro geralmente foi ofuscado pelo aumento das despesas financeiras, a que nos referiremos mais adiante. Resta dizer que ele não foi essencialmente diferente em 2012. Mesmo somando os restos a pagar, que correspondem ao orçamento de anos anteriores, somente 19,30% da verba orçamentária de investimento foi liberada (e isso são apenas R$ 22 bilhões dos R$ 114 bilhões autorizados pelo Congresso).
Prestemos atenção a um dado que, até agora, não recebeu o destaque que merece: o investimento efetivo (ou seja, o investimento realmente desembolsado) das estatais federais - estatais produtivas, isto é, não financeiras - comparado ao do ano anterior, levou um tranco de -1,54% em 2011, depois de subir a uma média anual de +28,45% durante o segundo mandato do presidente Lula, segundo mostram os relatórios do Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (DEST), do Ministério do Planejamento.
Até mesmo o Grupo Petrobras, cujos investimentos aumentaram 115,88% entre 2007 e 2010, sofreu uma redução nos investimentos efetivamente realizados em 2011 (-4,38%, em relação ao ano anterior). O aumento que houve em 2012 não fez com que retornasse à média anterior. Para que o leitor possa aquilatar a importância disso, lembramos que os investimentos do Grupo Petrobras foram 88,82% dos investimentos das estatais federais (não-financeiras) em 2011, e, em 2012, foram 90,66% desses investimentos.
Estranhamente (ou sintomaticamente), o "argumento" para a redução do investimento público era que este impedia o crescimento do investimento privado, contra toda a nossa história econômica anterior, e a dos outros países, onde os investimentos públicos sempre foram o estímulo por excelência aos investimentos privados.
Este "argumento", realmente, não é original: pelo contrário, ele é recorrente, sob o nome de "hipótese crowding out", nos ataques neoliberais à doutrina do economista inglês John Maynard Keynes. Já houve quem resumisse o "crowding out" à afirmação de que, se o Estado gasta dinheiro para determinado fim, os particulares não veriam razão de também gastar o seu dinheiro para o mesmo fim...
Apesar de caricata, essa versão tem o mérito de expor a falácia do "argumento": no nosso caso, o investimento público somente impediria o investimento privado, se o investimento total da sociedade fosse uma despesa fixa, rígida, imutável, impossível de crescer ou variar quanto a um máximo pré-determinado (certamente que por alguma divindade).
Não entraremos, aqui, no problema da poupança (que, para os neoliberais, constitui um limite intransponível ao investimento, quando, na verdade, é este último que cria a primeira). Mas é preciso ser justo até com o inimigo, por exemplo, neoliberais como Milton Friedman: este, pelo menos, coloca o aumento da taxa de juros - que, na versão dele, sucederia a um aumento da despesa pública por causa dos investimentos públicos - como mediação para o "crowding out". Esquematicamente: o investimento privado seria desviado para a especulação pelo aumento da taxa de juros, que seria provocado pelo aumento da dívida pública, que seria consequência do investimento público.
As coisas não são assim, até porque o Estado pode impor – como, aliás, impõe – as condições para o financiamento de sua dívida (e o investimento público, mais ainda quando também aumenta o investimento privado, cria riqueza, via tributos, também para o Estado, ou seja, para as finanças públicas).
Mas, pelo menos, a ciranda de Friedman, apesar de esquemática e grosseira, não é tão absurda quando as considerações do sr. Mantega, pois, no parecer deste último, o investimento público impediria o investimento privado, mas as altas taxas de juros não teriam esse efeito – tanto assim que o corte do investimento público foi executado ao mesmo tempo em que as taxas básicas de juros eram aumentadas cinco vezes seguidas, com acordo completo de Mantega.
ALIENS
3) Quase como corolário direto da "crença" a que acabamos de nos referir, há outra: a de que o "investimento direto estrangeiro" (IDE) é o fator decisivo para o crescimento do país – e que, para desenvolver o país, o principal setor da economia teriam que ser as filiais de multinacionais.
[Estamos, aqui, evitando a hipótese inversa: a de que a crença no "investimento" estrangeiro como fator principal do desenvolvimento nacional (o paradoxo apenas explicita a incoerência da tese) levou à crença de que o investimento privado é a principal mola do crescimento. Como já demonstramos inúmeras vezes desde 1994, este é o caso dos tucanos mais viscerais, que dedicam um ódio especialmente rancoroso ao empresariado nacional. Mas não parece ser o caso da presidente Dilma, apesar de seus elogios, totalmente descabidos, a Fernando Henrique ("acadêmico inovador", "político habilidoso", "ministro-arquiteto de um plano duradouro de saída da hiperinflação", "presidente que contribuiu decisivamente para a consolidação da estabilidade econômica", etc.).]
Mas, voltemos ao problema econômico do "investimento direto estrangeiro" (IDE): não se trata, aqui, do capital estrangeiro em geral. Como explicitaremos mais adiante, é evidente que se pode ter a presença de capital estrangeiro sem ferir ou lesar os interesses do país – em especial, sem ferir ou lesar o interesse em crescer e desenvolver-se que é parte do que chamamos Nação.
Estamos nos referindo especificamente ao dinheiro estrangeiro que entra no país para comprar empresas brasileiras, sem contribuir em nada, pelo contrário, para aumentar a taxa de investimento da economia. Mais adiante desenvolveremos a questão, já bastante conhecida dos nossos leitores. Por agora, basta observar que de janeiro de 2011 a outubro de 2013 entraram no país US$ 181 bilhões em "investimento direto estrangeiro" (IDE), ao mesmo tempo que a taxa de investimento, na base móvel trimestral (um indicador de tendência), caía de 20,73% do PIB (4º trimestre de 2010) para 18,86% do PIB (2º trimestre de 2013).
O IDE causou apenas desnacionalização – e, como consequência, desindustrialização, pois as empresas adquiridas por dinheiro externo passaram a fazer suas compras no exterior e a remeter lucros, reduzindo o investimento.
O resultado foi o encolhimento, verdadeiramente estúpido, da participação da indústria de transformação no PIB – e, por consequência, a estagnação atual da economia (e estagnação não deixa de ser um nome caridoso para aquilo que, em realidade, é um tremendo retrocesso). Como diz um economista:
"... o crescimento de longo-prazo depende da composição setorial da produção, mais especificamente depende da participação da indústria de transformação no PIB. Isso porque a indústria é o motor de crescimento de longo-prazo das economias capitalistas uma vez que ela é a fonte ou a principal difusora do progresso técnico para a economia como um todo, é o setor com maiores encadeamentos para frente e para trás na cadeia produtiva, é a fonte das economias estáticas e dinâmicas de escala e o setor cujos produtos possuem a maior elasticidade renda de exportação, permitindo assim o relaxamento da restrição externa ao crescimento. Sendo assim, o crescimento da economia no longo-prazo é extremamente dependente do crescimento da produção industrial.
"... a estagnação recente da economia brasileira é decorrência da estagnação da produção industrial. (…) Como a indústria é o setor da economia que utiliza mais intensamente máquinas e equipamentos não é surpresa se verificar que a estagnação/queda da produção industrial tem sido seguida por uma forte contração da formação bruta de capital fixo da economia brasileira a partir do segundo trimestre de 2011.
O autor aponta o "processo de substituição da produção doméstica por importações, a qual se expressa na brutal elevação do coeficiente de penetração das importações, que passou de 10% em 2003 para 21% em 2012. A substituição da produção doméstica por importações explica o aparente paradoxo do aumento do faturamento da indústria num contexto de estagnação da produção física, uma vez que a indústria brasileira está se transformando crescentemente numa maquiladora" (cf. José Luis Oreiro, "A Macroeconomia da Estagnação com Pleno-Emprego no Brasil", in "A Economia Brasileira na Encruzilhada", AKB, outubro 2013, p. 77 e 80, grifos nossos).
O fato – acrescentamos nós e por nossa inteira responsabilidade – é que não existe crescimento sem indústria nacional. As consequências apontadas, muito justamente, pelo autor que citamos, são consequências da desnacionalização, efetivada através de enxurradas de IDE na economia, sob os aplausos algo oligofrênicos do sr. Mantega, no momento em que os países centrais, acicatados pela crise, emitiam trilhões, especialmente os EUA, mas também a UE (leia-se Alemanha) e o Japão.
Hoje, o nosso país é o quarto maior alvo de IDE no mundo (cf. UNCTAD, "World Investment Report 2013", Genebra, 2013, p. XIV e p. 3).
Os capatazes do IDE costumam agitar o exemplo da China (segunda maior afluência de IDE no mundo, logo após os EUA, com o dobro do influxo de IDE do Brasil) para, supostamente, demonstrar as virtudes da sua panaceia. Um trecho do último relatório da UNCTAD – que é insuspeito, pois seu objetivo é, precisamente, convencer os incautos de que a desnacionalização das suas economias, em proveito dos países imperialistas, é o futuro da humanidade – servirá para termos uma ideia de como é falacioso esse marketing:
"O Estado chinês é o acionista majoritário das 150 maiores empresas do país e as estatais constituem 80% do valor de mercado das ações em Bolsa" (UNCTAD, rel. cit., p. 12).
Essa é a base do crescimento da China.
Quanto aos EUA, já analisamos essa questão, há quase quatro anos, ao abordar o estoque de IDE no mundo:
"... o maior estoque de ‘investimento direto estrangeiro’ do mundo está dentro dos EUA (US$ 2,3 trilhões em 2008). Perto dele, os US$ 378 bilhões de estoque dentro da China são um mero troco. No entanto, não há perigo de que a economia norte-americana seja desnacionalizada por causa disso, ou de que o capital nacional [norte-americano] seja esmagado pelas multinacionais de outros países. E não apenas porque a propriedade em mãos norte-americanas é colossalmente superior, mas porque, da mesma forma que outros países (a própria China, por exemplo), os EUA não permitem que o ‘investimento direto estrangeiro’ compre ou faça qualquer coisa que lhe dê na telha. O governo e o Congresso norte-americanos determinam o que estrangeiros podem ou não comprar - como aprenderam os japoneses e os sauditas. Esse investimento ‘direto’ estrangeiro de US$ 2,3 trilhões nos EUA serve perfeitamente à casta econômica dominante naquele país. De certa forma, é uma "americanização" dos recursos de outros países e não uma desnacionalização da economia dos EUA - apesar de que esse estoque equivale a 16% do PIB norte-americano (v. base de dados da UNCTAD e a última edição do seu relatório anual, "World Investment Report 2009"). A diferença entre o IDE nos EUA e o IDE no Brasil é, fundamentalmente, àquela, já referida, entre um país imperialista e um país que não é imperialista. A dinâmica não é a mesma. Aliás, é oposta" (v. HP 26/02/2010, "O canto das sereias fracassadas 3: o IDE e a hipervalorização do real", grifos atuais).
TAXAS
4) Enquanto isso, ocorria algo que é difícil classificar como "crença", por mais pervertida que seja. Precisamente, o que ocorreu com os juros, como, em parte, já mencionamos.
Correspondendo aos aumentos de juros, que começaram 19 dias depois da posse da presidente, o "superávit primário" - o desvio de verbas para juros - do Governo Central (Tesouro, Previdência e Banco Central) aumentou 18,7% em 2011, em relação a 2010, e as transferências aos bancos a título de juros superaram em muito o "superávit": +45% em relação ao ano anterior. Os aumentos de juros foram (como os atuais) tão absurdos que não podemos dizer que existisse alguma "crença" de que eles atuariam sobre a inflação – que era apenas especulação com commodities no exterior, longe da ação do Banco Central, e nunca esteve, em momento algum, fora de controle.
O que havia era uma ânsia sôfrega por entregar dinheiro aos bancos, fundos e outros especuladores, sobretudo com sede em outros países, e ser "confiável" aos nababos financeiros que haviam apoiado, nas eleições, o adversário da presidente Dilma Rousseff.
Após um período em que – por pressão, inclusive, da própria presidente – as taxas básicas de juros foram reduzidas, voltaram outra vez a aumentar, desta vez sem protestos por parte do governo.
Talvez a pior de todas as "crenças" - a mais nociva para o país – seja a de que aumentos de juros ou juros altos são remédio contra a inflação. Toda a suposta estratégia anti-inflacionária dos neoliberais é, na verdade, um pretexto para descarregar sobre os países periféricos – como o nosso – as mercadorias encalhadas dos monopólios privados dos países centrais, e, ao mesmo tempo, saquear seus recursos monetários, sobretudo os recursos públicos, os recursos do Erário.
Daí a relação dos juros irracionais com a, pessimamente chamada, "âncora cambial". Em suma, esse falso combate à inflação é mero subsídio ao preço das mercadorias importadas às custas do país, tornando-as mais baratas que a produção interna devido à manipulação da taxa de câmbio – a hipervalorização das moedas locais frente ao dólar – induzida pelas altas taxas de juros que atraem montanhas de dólares para dentro do país.
Logo em seguida nos estenderemos um pouco mais sobre o problema. Resta dizer, agora, que altas taxas de juros mais câmbio manipulado para subsidiar importações significam a destruição crescente e violenta da economia do país para favorecer bancos e demais monopólios externos. Nada tem a ver com o combate ou controle da inflação, exceto se o lema for destruir o país para combater a inflação. Sem país, sem produção e sem dinheiro, realmente, é difícil haver inflação. Mas também é difícil que haja população..

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