terça-feira, 12 de novembro de 2013

A falsa produtividade e os carolas fanáticos do arrocho salarial

A falsa produtividade e os carolas fanáticos do arrocho salarial 
Reajustes salariais inferiores aos aumentos de produtividade equivalem a uma redução dos salários reais – a um aumento da exploração sobre o trabalhador, uma vez que significa que no mesmo tempo de trabalho serão produzidas mais mercadorias, sem que o salário acompanhe esse aumento da produção
CARLOS LOPES
Enquanto ciência, ou enquanto contenha algo de científico, a economia política não pode ser uma ideologia - uma visão de mundo - do ponto de vista dos monopólios e cartéis financeiros. Se fosse assim, seria inevitável que a economia política fosse uma falsificação da realidade, pois é impossível, para os adeptos dessa "visão" monopólico-financeira, defender, pública e honestamente, que o mundo, sobretudo a totalidade dos seres humanos, deve estar submetido ao tacão de alguns rentistas parasitários. Para falsificar a realidade, já basta o neoliberalismo, que não é ciência nem economia política, somente ideologia reacionária - o que, aliás, é evidente por sua "bíblia" (?), o verborreico panfleto antiprogressista "The Road to Serfdom", de Friedrich von Hayek (v. "O serpentário do neoliberalismo: um estudo da idiotice econômica", HP 04/03/2011).
Por isso, é algo estranho que na recente coletânea da Associação Keynesiana Brasileira (AKB) - "A Economia Brasileira na Encruzilhada" - repitam-se, em alguns textos, as recalcitrantes advertências das atas do Copom/BC sobre o crescimento dos salários acima da produtividade (e, é forçoso dizer, geralmente não como advertência, mas como um problema real, às vezes decisivo, da economia).
A coletânea é dedicada a investigar as causas do fracasso econômico do governo Dilma – uma questão, se podemos assim dizer, mais do que importante e mais do que atual. Mas, em alguns trechos – ainda que, provavelmente, não seja a intenção dos autores - tem-se a impressão de que o suposto aumento salarial acima da produtividade é o responsável pela desindustrialização do país (e, de resto, pelos problemas econômicos do Brasil). Por exemplo: "... a partir de 2004, a economia brasileira parece estar em um regime de demanda liderado pelo salário, com aumentos no salário real acima da produtividade. Este cenário implica elevação do custo unitário real do salário, que provoca perda de competitividade dos produtos industriais, induzindo um processo de desindustrialização precoce e de aumento da restrição externa de longo prazo" (cf. Carmem Feijó e Marcos Tostes Lamonica, "Mudança Estrutural e Crescimento: consequências da política econômica de estabilização para o desempenho da economia brasileira nos anos 1990 e 2000", in "A Economia Brasileira na Encruzilhada", AKB, p. 91).
É óbvio que tal observação, para a maioria dos leitores, soa como uma recomendação ao arrocho salarial, porque é quase intuitivo, para quem tem alguma experiência sindical, que reajustes salariais inferiores aos aumentos de produtividade equivalem a uma redução dos salários reais – a um aumento da exploração sobre o trabalhador, uma vez que significa que no mesmo tempo de trabalho serão produzidas mais mercadorias, sem que o salário acompanhe esse aumento da produção.
No entanto, na própria coletânea é reconhecido que os níveis salariais no Brasil são muito baixos (v. Maria de Fátima Garcia, Eliane Araújo, Elisangela Araujo, Mara Lucy Castilho e Rinaldo A. Galete, "A Geração de Emprego Formal e Trabalho (in) decente no Brasil: uma incursão no debate", p. 94).

SEM ESCAPE

Realmente, o que possibilitou algum crescimento a partir de 2004 foi uma certa, ainda que modesta, recomposição salarial – mas, sobretudo, a mudança na política econômica, a partir de 2007, com o lançamento, pelo presidente Lula, do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Não se pode, sem dúvida, subestimar o crescimento do investimento: a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) aumentou, em média, +7,5% ao ano durante os dois mandatos de Lula e +10,5% no segundo mandato (a média do atual governo é apenas +0,35%).
Porém, no momento – e mais ainda porque a política econômica mudou, a partir de janeiro de 2011, deixando de colocar no centro o crescimento e derrubando os investimentos - os baixos salários são um entrave ao crescimento, porque restringem o mercado interno (o que corresponde ao fato de que apenas 13,2% dos trabalhadores empregados estão na indústria de transformação, enquanto 45,2% estão no setor de serviços, com salários, em geral, mais baixos – v. PNAD 2012).
Um arrocho salarial mais violento do que a contenção salarial que já existe atualmente no país, significaria ainda menos dinheiro para o consumo, para a compra de mercadorias. A maioria das empresas brasileiras, sobretudo as industriais, não poderia escapar dessa situação pelo mercado externo, sobretudo em época de crise nos países centrais; sob o ângulo do conjunto da economia e do país, considerar o mercado externo como principal em relação ao mercado interno significaria postular que o rabo deve balançar o cachorro – pois a soma de todas as exportações brasileiras é apenas 10% do PIB, com um déficit (se descontarmos a maquiagem das plataformas de petróleo que são "exportadas" sem sair do país), de janeiro a outubro deste ano, de quase US$ 7 bilhões.
A outra suposta opção de escape desse estreitamento do mercado interno causado pelo arrocho salarial – a exploração da faixa de compradores com renda mais alta – é o terreno dos monopólios multinacionais. Quase nenhuma empresa privada nacional, se é que existe alguma, teria condições de sobreviver nessa "selva selvagem". Somente podem se iludir a esse respeito aqueles que apelam para o "espírito animal" (animal spirits) dos "empresários" em geral, sem advertir que, no Brasil de hoje, isso significaria uma obstrução ao crescimento, por deixar sem limites a voracidade e o vandalismo dos monopólios externos sobre a economia brasileira – tal "espírito" serviria para aumentar ainda mais as remessas para fora, isto é, a espoliação, o envio para o exterior de recursos que seriam, de outra forma, investidos dentro do país.
Mas, sobre o imbróglio "salários/produtividade", alguém poderá dizer que economistas não são políticos, por isso não têm obrigação de pensar nas consequências políticas do que escrevem. Infelizmente, têm, porque o que se está discutindo é, precisamente, a política econômica, não as relações de produção em geral da economia brasileira. Como diz o professor Wilson Cano:
"A economia é política! A economia como ciência é muito limitada. Economia é fruto de decisões sociais tomadas por homens que têm poder. Sejam empresários tomando decisões de investir ou não, de comprar ou vender, seja o Estado em adotar e tentar fazer cumprir certas metas e objetivos econômicos. Essas tomadas de decisões são sempre conflituosas. Sempre se defrontam com interesses diversos ou mesmo contraditórios" (Wilson Cano, "A desindustrialização no Brasil", Economia e Sociedade, Campinas, v. 21, Número Especial, p. 851, dez. 2012).
 
 
 
Fonte: Hora do povo

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